05/11/2008

???

Formei-me em jornalismo. Sim! Como pessoa curiosa que sou, achei que realmente era a melhor opção a se fazer. Afinal, sendo uma jornalista poderia falar sobre cinema, tecnologia, animais, doenças, cultura...

Só pelos temas dá para ter certa noção de todas as coisas que eu gostaria de ser... Sim! Eu já quis ser médica, cientista, veterinária, atriz, diretora de cinema, roteirista, crítica de cinema e fazer mecatrônica.

Depois que me formei, descobri que eu fazia muitas coisas que a maioria dos jornalistas não sabiam fazer. Eu editava vídeo, fazia layout para sites, animação em flash, artes no corel e ilustrator, roteiros, estudava 3D e amava aparelhos eletrônicos. Eu me achava uma ótima jornalista, só não entendia uma coisa, as pessoas insistiam para que eu fizesse matérias usando as regras da nossa excelentíssima gramática e que estivessem dentro das regras específicas dos textos jornalísticos, o mais conhecido lead. Eu simplesmente odiava escrever esse tipo de texto, afinal, não era história, não tinha emoção, e quanto menos adjetivos fossem usados, melhor era o texto. Meu deus! O que é um texto sem sensações?

Até que um belo dia, depois de quatro anos ACHANDO que eu era JORNALISTA, fui numa entrevista na Jovem Pan, onde descobri que eu não fazia nada que um jornalista faz. Eu era tudo, menos jornalista. Meu texto não serve para os jornais, talvez para a parte de crônicas. Mas para eu escrever nessa editoria, eu teria que ter uma credibilidade fora do normal, ou seja, teria q ser jornalista de trás para frente.

Depois que descobri que não sou uma jornalista, descobri que eu sou... Hum! Eu sou... Difícil! Não sou nada! Simplesmente sei fazer algumas coisas que as pessoas gostam...

Acho que voltei ao marco zero! Acho q já posso voltar para barriga da minha mãe!
Fabiane Rivero Kalil

23/09/2008

Parte 9

Ontem à noite a lua estava coberta por nuvens que desenhavam mistério. Hoje ela se mostra timidamente por uma fresta de luz...
Às vezes vejo-me incrédulo. Meus olhos só vêem nuvens e não mais lua, mas logo alguma luz aparece para aquecer a solidão da noite. Nestes dias o quarto se inunda de penumbra, meus pensamentos ficam foscos e eu sem ar...

Às vezes queria ser a lua, me cobrir de nuvens e me esconder dos infinitos olhares que buscam, nem sempre algo definido, simplesmente buscam o que falta... E também tem aqueles momentos que quero explodir. Sim! Principalmente quando chego a algum lugar do espaço, onde me encontro, onde pude observar e juntar fragmentos de pensamentos. Não aquela explosão ruim, mas aquela que contamina o ambiente, invade a mente e finalmente, algo muda de lugar.

Atrás de mim tudo se move em caixas.

O cheiro ainda está pelo quarto, as lembranças também. É como se elas voassem livremente, sem dor, sem pesos. Isso que eu chamo de um passado bem resolvido. Simplesmente se transformam em sorrisos e saudades.

Tenho um pouco de receio de continuar mexendo nesta caixa. Ela olha para mim com cara de desespero. Não sei se é desespero de estar ali, aberta, exposta ou se ela quer se livrar de todo esse passado que já foi e que simplesmente ninguém lembra. Se ninguém lembra porque eu deveria lembrar? Talvez eu não queira lembrar.

Mas, hum... Que cheiro delicioso pelo quarto... (senta no chão, encosta na parede e fecha os olhos) E se tiver mais lembranças agradáveis como esta? Não quero que elas se percam, nem sejam esquecidas pelo tempo ou...

A luz do luar entra pela janela juntamente com um vento forte e gelado. O vento bate de frente com uma pilha de papeis dentro da caixa rosa. Os papeis, de diferentes tipos e tamanhos, se espalham pelo quarto enlouquecidamente, descontrolados. Mas antes de qualquer lembrança voar pela janela, o vento se acalmou e transformou-se numa serena brisa de primavera.

O céu começou a clarear e os pássaros a cantar. Realmente a brisa não só lembrava a primavera como de fato a estação acabara de chegar. Algo mudou.
O mundo girou. O sol se moveu. O jardim hoje tem flores...

Que luz é essa? Que cheiro é esse? Não é mais o cheiro da carta... Nossa! O que aconteceu com meu quarto? As lembranças se revoltaram por estarem dentro da caixa e resolveram sair sozinhas? O sol está mais quente que ontem... Minhas costas doem. O chão não é mais como antigamente, antes podia dormir aqui e nada acontecia. (risos) Se minha mãe estivesse aqui ela diria que a idade chega para todo mundo.

(passos subindo a escada)

- Filho!
- Mãe?
- Você não quer mais seu xampu?

(abre a porta do quarto)

- Que bagunça é essa? Filho... (olhar de indignação)
- Mãe, não é bagunça! É organização temporal.
- Temporal? Com certeza parece que passou uma tempestade aqui.
- Esquece mãe. Preciso me concentrar. Por favor... (aponta para a porta)
- Faz dias que você não sai deste quarto...
- Mãe!
- O que você fica fazendo aqui?
- Mãe!
- É pornografia?
- Mãe!
- Drogas?
- Mãe!
- Você é gay filho? Pode falar para mamãe...
- Mãe, chega!
- Mas...
- Sem mais nada... Preciso ficar aqui e arrumar as coisas... Obrigado pelo xampu, é esse mesmo que eu gosto.
- O que você faz com os xampus?
- Mãe. Por favor! (aponta para porta)

(Porta fecha. Passos descendo a escada)

O que ela quis dizer quando me perguntou o que eu faço com os xampus? Será que ela acha que coloco no nariz? Ou me masturbo olhando para a mulher que está na embalagem? (risos)
Até a próxima!!
Fabiane Rivero Kalil

11/09/2008

Parte 8

Ufa! Isso que eu chamo de uma provisão divina. E agora? Meu quarto está cheio de caixas. Caixas que só vão sair do meio do caminho se eu tirar. Elas, infelizmente, não têm vontade própria.

Espero que eu não morra com nenhum passado encaixotado. Desenterrar lembranças nem sempre são agradáveis...

Interessante! Uma carta rosa dentro de uma caixa rosa. Acho que é um sinal de início (risos)...



“As palavras tentam escapar
Não falar de ordem
Não vou colocar-me em ordem

Entre teu carinho e a minha canção
É só amor!
Enfeitei meu mundo
Fiz carnaval no meu coração
Para que o meu silêncio não te incomode...
SILENCIANDO” (L.)


Nada mal para um bom começo. Fala de ordem, de amor e de silêncio. Tudo que eu preciso nesse momento. Silêncio eu já tenho. Ordem? Talvez leve um tempo. Amor? Achei um pouco dentro dessa caixa.

Lembro-me dessa carta. Lembro-me de palavras sinceras e profundas, mesmo que tenham saído mudas... Para um bom entendedor um olhar basta.

As pessoas perderam o habito de olhar. Elas olham, mas nada vêem. Elas olham, mas não interpretam, não conseguem passar das máscaras construídas e forjadas por espelhos que nada refletem. O brilho foi ofuscado dos olhares, das palavras. O tempo rouba o que mais amamos em alguém, sabe aquele brilho que nos apaixona e encanta?

O tempo nos torna cegos e coloca a rotina no lugar do encanto.

Sabe aquele caminho que você faz todos os dias? Aquela rotina que cega? Tudo fica fosco, sem vida. Capaz de o carro chegar sozinho até o trabalho e do trabalho para casa, assim como os cavalos fazem quando acostumam com um trajeto. Já tentou fazê-los virar? Olhar para o lado?

Quando tomamos distância, voltamos a enxergar o que estávamos impossibilitados de ver. E isso nada mais é que a retomada do primeiro reflexo. A sensação do primeiro impacto, sentimento, visão, cheiro, o que fazem das lembranças algo especial. Tanto de lugares, quanto de pessoas. Tudo têm um reflexo em particular, que os tornam peculiares e interessantes...

Que cheiro é esse? Minhas mãos estão perfumadas. Deve ser... Sim! Carta perfumada. Que interessante, faz tanto tempo que essa carta está aqui, que não faço a mínima idéia como esse cheiro ainda existe. Que cheiro delicioso!

O silêncio no quarto foi interrompido por um longo suspiro.



Até a próxima!

Fabiane Rivero Kalil

03/09/2008



Parte 7

O frio canta alto pela janela e o breu invade o quarto. O sonho penetra no corpo encolhido sobre a cama. O silencio amortece os sentidos, torna o ar pesado e o sono num grande pesadelo. As mãos apertam o colchão e os dentes à boca. O corpo se encolhe nele mesmo, na tentativa de se proteger do nada que o ameaça.

O vazio toma conta e rodeia a cama. Anula tudo por onde passa. A cama não existe mais.
As bases estão sem tempo ou espaço, encima ou embaixo, perderam sua lógica e seus sentidos. Os eixos X,Y,Z se tornaram XYZABC... Nada mais se define. O corpo adormecido se confunde entre o real e o imaginário. O mundo paralelo se divide.

Sombras descolam-se do chão na tentativa de serem reais, de deixarem de serem somente um recorte da realidade, um efeito dado ao que existe ou simplesmente um contorno que imita tudo que se move.

A gravidade se esconde encima da cabeça, entra pelo tímpano e escoa pelo eco que emite dor. O travesseiro se transforma em milhares de pedregulhos que espetam a face. A consciência está fora da mente e a mente fora da pessoa. As partículas estão em guerra. Mente, alma e espírito X realidade, tempo e medo. Interior não exteriorizado, alucinado no não poder.

Farelos que saíram de um pão. Hoje não mais pão, mas sim farelos. Juntos são algo, separados, são apenas farelos. Porém, antes mesmo, desses farelos serem pão, esse pão era formado por diferentes elementos, que por sua vez, não deixaram de existir, mas juntos, misturados, se transformaram num novo elemento...

Cada pedacinho de musica que escutamos, cada pessoa que passa pela nossa frente ou até mesmo cada cheiro que entra no nosso corpo, tudo modifica nossa composição, tudo acrescenta, abre perspectivas, horizontes, portas... Constroem prédios, relações, ódios... Destroem conceitos, plastificam momentos e paralisam as pessoas de medo.

O novo surge a cada instante de vida. A metamorfose acontece! Ela não espera voluntários, ela simplesmente acontece!

Cada caixa espera ser um novo elemento, nesse novo momento. As caixas fechadas são apenas caixas fechadas, como os farelos que para nada servem...


- Aaaahhh!!! MÃÃÃÃÃE!!!


Mãe? Meu deus. Não acredito que eu chamei minha mãe. Estou petrificado de medo, como uma criança depois de um pesadelo. Minhas mãos, minha cabeça e meu maxilar doem. Espero que ela não suba. Seria ridiculamente patético. O que eu vou falar para ela se ela subir? “Mãe, então, é que eu estava aqui arrumando o quarto, quando de repente, eu fiquei com medo de uma caixa rosa, ela queria sugar minha alma. Resolvi deitar para me acalmar e tive um pesadelo, algo parecido com a morte...”. Não! Patético! Ela não entenderia... E certeza teria a brilhante idéia de me levar ao médico.

(passos subindo a escada)


Deus! Deus! Não deixe que seja a minha mãe... O que eu vou falar para ela?

- Filho? Tudo bem? (tenta entrar no quarto) Não consigo entrar. O que tem atrás da porta?
- Estou arrumando o quarto. É uma caixa que está atrás da porta.
- Você quer falar comigo? Eu escutei você me chamar...
- Hum... É que... (meu Deus o que eu falo para ela?) Não queria sair agora do quarto, no meio dessa arrumação. A senhora mesmo sabe o quanto é ruim parar algo na metade... Então eu estava pensando, se, assim...
- Mas quanta embolação... Parece até que está abobado! O que você quer?
-Xampu! Isso... Eu preciso de xampu...


(passos descendo a escada)

Até a próxima parte.



Ab.,



Fabiane Rivero Kalil

28/08/2008




Parte 6



Talvez dentro dela haja um passado limpo, ou que foi limpo com o tempo. Talvez não haja perigo de abri-la. Espero que não me afete ou invada minha mente com lembranças esquecidas.
Eu não desejei cheirar mal. Mas mesmo assim o cheiro apareceu. Repugnante!


O nosso cheiro deveria ser algo que delatasse as intenções de cada um. Cheiros bons para intenções boas, variando de acordo com a intensidade de cada ação. E cheiros ruins alertariam a todos...
Poderia ser assim também para as lembranças, as caixas, os objetos... A vida poderia cheirar emoções...


Talvez não... Se fosse assim, o Homem perderia seu mistério e seus segredos. Os sentimentos seriam revelados pelos cheiros e por conseqüência, a racionalização seria inevitável. As questões humanas seriam resumidas em tabelas periódicas e colocadas em palavras concretas, não mais subjetivas. Ainda bem que as verdadeiras definições da vida estão bem guardadas...


Bem guardas estão as coisas dentro desta caixa rosa. Enrolei com tanta fita adesiva que não consigo mover a tampa. Caixa pesada. As caixas grandes repletas e as pequenas vazias...


Depois de muito esforço a caixa foi aberta e dela saiu um cheiro de naftalina misturado com sabonete. A caixa estava repleta de livros, cadernos, folhas, sensações eternizadas no papel, tentativas de explosões no silêncio e registros do passado que já foi e voltou em linhas.


Dei um pulo para trás repentinamente, meu coração acelerou e aqueceu o corpo. Guardei uma parte do meu coração aqui e não me lembrava. Que sensação é essa que há anos não sinto? Que lembranças são essas que me aprisionam? Não quero sentir, não quero chegar mais perto. Corro o risco de ler... Não sei o que o fazer com essas linhas, com esses sentimentos, com essas pessoas encaixadas, encaixotadas... Preciso de ar!


Olho para fora, mas as palavras me faltam. Olho para o lado e me sobram pensamentos. Lembro vagamente do que escrevi. Fragmentos de um todo que gera angustia e completa meu corpo de medo.


Fixei meus olhos na lua e segurei firme na grade da janela. Não posso cair. Minhas mãos geladas e molhadas marcam a grade com nervosismo. Preciso dizer, preciso... Não consigo dizer nada. Nem para lua. Nem para o improvável... Nem para os surdos, nem para o desespero que me mantém nesta paralisia. Estou presa. É isso!


Vou deitar. Quem sabe eu crie coragem e consiga arrumar a caixa amanhã. Ela não está com a aparência muito boa. A água a deformou. E ela me deformou de medo. E o medo, essas horas, deve estar rindo da minha condição de verme.


Preciso achar uma posição boa para que eu não me vire muito rápido. A queda não seria uma ótima idéia hoje. Nenhuma palavra iria me segurar. Nem o edredon da minha avó iria me salvar hoje. Meu coração dói.


Os olhos fechados transbordam escuridão sobre o corpo encolhido no colchão. Solidão sai pelos poros assustados e os pontos de luz nada iluminam, se tornam ausentes no meio de tanta asfixia. A ordem embaralhou a lógica e a visão ficou difusa... A cama ficou mais estreita e a queda mais provável...


Até amanhã!!!


Fabiane Rivero Kalil

26/08/2008



Parte Cinco


O que é isso? Que luz é essa? Que calor é esse?...
O vento bateu dentro do quarto e um odor horrível invadiu o ambiente...

Quantos dias eu não tomo banho mesmo? Quantos dias eu não saiu desse quarto?
A realidade invadiu a vida pelo nariz. Cheiros sempre trazem lembranças. Sensações. E com elas, reações.

Preciso trocar a cortina do box do chuveiro. Toda vez que tomo banho o banheiro fica completamente molhado. A borracha desse rodo não ajuda na hora de puxar a água para onde ela deveria ir. Afinal o box é delimitado e um ralo é colocado lá para a água escoar por ele. Mas não é bem isso que acontece aqui nesse banheiro.
Acho que meu ralo tem aversão a água. Sabe quando você nasce homem e se sente mulher? Ou não se encaixa em lugar algum? Ou quando a definição de ser humano não se encaixa no seu contexto de ser? Esse ralo não se sente ralo, nunca se sentiu. Acho que ele deve ser outra coisa não definida, pois, definitivamente, ele não cumpre o propósito de ser um ralo.
Se eu fosse pensar como esse ralo, que no caso é um buraco no meu chão enfeitado com um pouco de metal vagabundo... Talvez eu não quisesse escoar água com tufos nojentos de cabelos, que com certeza grudariam por toda minha extensão. Talvez fosse um pouco mais ambicioso, talvez quisesse conduzir petróleo...
Não sou um ralo e nem quero ser. Também não vou começar a falar com objetos inanimados. Nem sou engenheiro, nem arquiteto para entender a lógica da água subir e não descer. E isso que não moro em São Tomé das Letras...
Olhar para o chão não vai me levar a lugar algum. Preciso é tirar esse cheiro que me... Como? Ai meu deus! Não é possível! Como pude deixar faltar? Como vou tomar banho sem xampu? Amo xampus. Não vivo sem xampus. No meu banheiro nunca faltou xampu.
Posso fechar os olhos e ver as prateleiras cheias de xampus... Como é bonito ver. Como é bonito falar – XAMPU. Mas não vou sair daqui... Não conseguiria. Então, o sabonete vai ser um ótimo substituto. Serve! Meu cabelo vai ficar um pouco duro, mas não pretendo ver ninguém. A não ser a minha mãe, que também não me preocupa, afinal, faz anos que não sei o que é um cafuné dela. Meu cabelo está seguro assim. O sabonete basta para lavar. Garanto que antes da publicidade investir milhões para cativar a vaidade humana, um simples sabonete bastaria. Lógico! Tomamos banho para nos limpar, certo?
Uma vez, me lembro que acompanhei minha mãe ao cabeleireiro. Sentei na sala de espera... Como o nome diz, sentei para esperar...
Pessoas frenéticas são encontradas em toda a parte. Não dopadas. Mas simplesmente por serem.
Um ótimo lugar para cultuar o corpo humano é no salão de beleza. Lugar do “prazer” obrigatório. Diria até que é um “prazer” culturalmente e socialmente imposto.
Esses lugares me fazem pensar na imagem de alguém que observa uma morena maravilhosa na praia e repara no seu corpo... Com aquele biquíni minúsculo e pêlos saindo pelas laterais da virilha... E logo após, me vem à imagem da pessoa que presenciou isso. Seria um assunto a ser estudado em qualquer cabine de depilação.
Todas as senhoras, que sentavam na sala de espera, falavam de suas rugas, ou melhor, como não tê-las... Sempre caiam na solução botox de vida. Sim, é um estilo de vida! Onde elas confiam piamente na salvação feita por profissional da estética autorizado a furar. Os pecados são pagos por uma seringa cheia de uma substância duvidosa, que é aplicada em regiões específicas do rosto e como um passe de mágica, as pessoas saem todas com mesma cara. Purificadas! Refeitas! Salvas das rugas... E com um incrível dom de sorrir.
A expressão triste jamais voltará àqueles rostos. Alguns que abusam da “felicidade” podem vir a babar, pois o sorriso fica tão largo que a boca não consegue fechar por completo... Nada contra nenhuma substância que faça as pessoas serem felizes. Nada mesmo... Só que essa dose de beleza não seria o suficiente para secar minha dor de cabeça. Se esticassem meu rosto, talvez ele se rompesse na tentativa de derramar uma lágrima... Molhada... Água... Chuveiro... Banheiro...
Por um tempo não definido, o corpo ficou e a alma se ausentou do quarto. Tempo suficiente para que a água invadisse o banheiro por completo e entrasse no quarto. O quarto estava seco graças a uma caixa grande que sugou toda a água que passava pela porta. Caixa grande e cheia de passado alagado. Era de papelão rosa, agora, é de papelão marrom com aroma de sabonete...
Até amanhã...
Fabiane Rivero Kalil

25/08/2008


Parte 4

Vá que eu saia, me mova, me engane, tropece? Vá que alguém roube meu coração, chute a porta e me obrigue a sair...? Não! Não estou preparado para a invasão e nem quero conhecer outros mundos...

Não sei ao certo se quero me mover também. Não sei ao certo se sei lidar com tudo que envolve, que anda, grita, sonha... Só sei que não quero que me toquem, me façam sentir qualquer sensação, seja de frio ou calor, de amor ou ódio. Simplesmente quero ficar aqui. Parado. Parado não... Na verdade quero observar a bagunça que me cerca e entender onde colocar o que.

Ontem tirei tudo das gavetas. Tudo! Fui tirando aleatoriamente. Misturei sem querer camisetas com meias, cintos com livros, canetas com lenços, papéis riscados e em branco. Tirei também várias caixas que há anos não toco. Estão lacradas, lembro-me vagamente o que tem em cada uma.
Agora o que fazer com tudo isso? Não encontro mais nada! Nem onde sentar, nem onde está o começo do chão. Acho que nem a porta eu consigo abrir. Talvez se eu abrir toda a janela essas sombras pretas, em formato de bolas achatadas, saiam da minha parede e a luz entre por completo. Talvez a luz me ofusque, já que faz tanto tempo que me alimento dessa luz gerada pelas lâmpadas. Bem que dizem que essas podem até bronzear...

Que barulho é esse na porta? Será possível que alguém vai entrar? Seria impossível, a porta está totalmente bloqueada.

- Quem está ai? É impossível entrar...

- Impossível para quem? Se esta porta só está fechada do seu lado e não do meu?

(Desisti de falar... Por alguns instantes me veio um silêncio. Acho que falei em pensamento com a porta que não mais respondia.)

Acho que foi embora. Não entendo o porquê da pergunta. É obvio que preciso de ajuda, mas a questão não é se eu preciso de ajuda ou não, mas sim se alguém realmente pode me ajudar.
Essas caixas lacradas estão cheias de passado, cheia de lembranças que tenho até medo de revirar. Prefiro não pensar sabe? Fica mais fácil.

Certa vez, lembro-me, que estava num bar, sozinho, e conheci um índio. Sim! Um índio de verdade, criado com regras indígenas... Conversei horas com o cara, até ele me dizer que tinha perdido a virgindade com a própria irmã. Quem fala isso? Foi um choque cultural que quase cai na armadilha, dos meus preconceitos, de criticá-lo. Quase o julguei com os meus pré-conceitos, aqueles estabelecidos dentro de uma sociedade, que são replicados dentro de casa, na escola, na igreja... Os famosos “certos” e “errados” que manipulam a nação com rédeas curtas.

Por que eu entrei nessa questão mesmo? Ah! As caixas... Sim! Nesse mesmo dia, nessa mesma conversa, quando o assunto começou a ficar chato e o álcool entorpeceu meus sentidos, fixei o olhar num homem magro que se movia freneticamente. Cada movimento dele era frenético. Eu suei só de olhar como cada olho dele tremia. Nessa hora o índio falou baixinho: - cocaína.

Não quis aprofundar o assunto. Nem entrar no mérito de dar qualquer tipo de lição de moral, ou conscientizar os jovens loucos que andam, em plena quinta-feira, pelas ruas de São Paulo. Afinal, eu mesmo estava dopado de algum tipo de substância que me fazia sentir outras coisas que sozinho não conseguiria... Onde estava mesmo? (risos- minutos em silêncio) Sim! Aprendi a fazer caixas olhando o cara magrelo frenético. Ele dobrava freneticamente um monte de flyers e depois os encaixava perfeitamente até se formar uma linda caixinha de papel. Ao todo foram cinco caixas feitas freneticamente pelo homem “freneticola”. Aprendi. Não me pergunte como, mas aprendi.

Não decidi o que colocar dentro de nenhuma das caixinhas que eu fiz. Todas espalhadas e vazias pelo quarto.

O vazio tomou conta do quarto. Como se o quarto fosse uma grande caixa vazia. Nada ali fazia sentido, nada ali tinha mais lugar definido. De alguma forma, tudo estava paralisado. O ar claustrofóbico foi aniquilado por um impulso repentino de abrir a janela...


Até amanhã...


Fabiane Rivero Kalil


22/08/2008



Parte 3


A cama fica mais estreita. Meus olhos semifechados, e meu corpo, rígido, tenta manter-se em cima do colchão. Não posso me mexer nesse momento. O cansaço toma conta dos meus músculos. O cansaço da mesmice, do sempre, do nunca, do ontem, do hoje e dos dias – daqueles que passam e daqueles que insistem em não passar.


Estou pela metade. Quase inteiro, mas menos. Mais de menos do que demais. A falta de riso me prende o peito como um soluço que não sai. Prende a lágrima com um caroço na garganta, os movimentos, com um gelo de medo, e os pensamentos ancorados num cais.


Meio acordada, meio dormindo, sonolenta criatura. Ainda respira. Ainda se move dentro dos milímetros que a delimitam dentro do colchão. Como se o jogo fosse brincar de estátua para que o bicho papão, que mora embaixo da cama, não puxasse o dedão no meio da noite. Detalhe importante, os pés nunca para fora do cobertor. A cabeça e as orelhas bem escondidas, como se fugissem dos sons. Para que ninguém a matasse, nem por trás, nem pela frente, nem pelos pés, nem pelas mãos e...


Aaaah! Quase! Quase cai! Meu Deus! Movi-me demais. Que susto! Meu coração deu uma volta olímpica saltitante por todo o quarto e invadiu meu mundo por todos os meus poros...


Meu pijama está molhado mais do que o normal, acho que molhei o colchão também.
Meia noite! Noite cinza! Cinza anula as cores. Abri a janela para que o ar preenchesse o vazio do meu corpo. Mas o que recebi da lua foi um tom amarelado.

Tirei meu pijama. O nu contornou minha silhueta, e a sombra fez seu desenho para fora da janela. Parece que a sombra dança ao som baixo dos grilos do gramado. Que o sereno encobre o meu corpo de orvalho e faz o silêncio ecoar a razão. Os prédios limitam a visão do horizonte.

Prédios cinza! A cor da mesmice. Nada melhor para completar a minha noite de susto. A vida assume o cinza como cor mestre.

O vento trouxe tristeza, meus pêlos se arrepiaram de frio, mas continuo inerte. Meus olhos não param de escorrer ações, tentativas, falas frustradas...

TRIM! TRIM! TRIM!

Preciso me vestir! Quem será a essa hora?

- Alô? Alô?
- (barulho de respiração)

TU! TU! TU!

Odeio telefone! Odeio telefone! Quem será esse filho do demônio que teve essa ótima idéia de me amolar justamente agora? Odeio respiração e odeio odiar. Sentimento péssimo! Talvez não esteja odiando, isso com certeza é ira, raiva, contraída pela linha do telefone. Quem disse que só cachorro transmite raiva? E não quero jogar a culpa no telefone, objeto inanimado, mas o meu ódio pode ser resultado da certeza de que existe vida do outro lado. Do outro lado da linha. Sem essa de vida do outro lado, sei lá onde.

Essas conversas entre humanos me amolam, nem sempre fluem bem, nem sempre são poéticas as palavras e nem sempre acabam como esperamos. Como exemplo, essa conversa estranha que acabei de ter com uma respiração.

Vou colocar um pouco de música para me acalmar. Essa vitrola já teve mais graça, dela as músicas costumavam sair com mais intensidade. Hoje em dia ela se repete no mesmo repertório de anos. Bom, faz tempo que não compro novos discos. A minha coleção parou no mesmo instante em que eu parei de ter idéias. Preciso de idéias. Preciso de novos discos também.
Mas para isso teria que sair do meu quarto...



Até segunda...


Fabiane Rivero Kalil

21/08/2008



Parte 2


Um quarto é o território delimitado pelo animal Homem. Ali todas as posses, todas as manias, todos os segredos são armazenados. Dentro do quarto está toda a intimidade, toda a solidão de um ser. Mesmo quando se divide um quarto com outra pessoa, o quarto se torna subdividido, com fronteiras bem delimitadas... Essas fronteiras saíram do quarto, o Homem as expandiu por todos os lados. Nas ruas, nas praças, nos postes, nos estados, nas cores, no mundo, no universo, nas estrelas... O Homem só não urina no que é seu porque isso não seria civilizado. Como também não é civilizado ultrapassar uma linha imaginária criada com parâmetros justos...

Lembro-me de que, quando eu era uma criança, convivia com crianças e adultos, mas olhava com o olhar de criança. Cresci e continuo convivendo com crianças e adultos, mas não sei onde está aquele olhar que antes olhava com um brilho que não encontro mais. Não sei onde está o brilho nos olhares dos outros, não sei onde está o brilho do meu olhar, não sei onde deixei esse filtro que me fazia acreditar num mundo realmente melhor. Não sei onde deixei minha esperança, mas tenho certeza de que a perdi no mesmo instante em que mudei. Mas juro que não percebi como essa pessoa que me tornei hoje apareceu! Eu conheço todas as minhas fases, mas não sei se os olhares de antes me reconhecem.

Não quero achar culpados.

Adoro olhar para a parede em frente quando deito na minha cama, pois lá está ele, a minha inspiração em dias frios, o quadro de Edvard Munch – O Grito. Lógico que não é o original. É apenas um impresso que comprei numa loja que vende posters. Especialmente hoje, ao olhar para ele, algo me incomodou, não sei exatamente o que, mas sei que não são as pessoas. Talvez seja eu mesmo, não com minhas escolhas, mas sim com a maneira como eu mesmo não consigo cumpri-las como gostaria. Não é a decepção alheia que me deixa desanimado e sim minha própria decepção.

Gostaria de tirar tudo isso de dentro, todo o meu eu de dentro e explodi-lo para fora, num ato de coragem. Mover-me dessa cama num grito alucinante de encontro, parar de pensar e agir... mudar!

Como mudar? Ra! Estou aqui parado ainda.

Essa cama esfriou de repente. Em algum lugar nesse armário está o edredom que minha avó me deu. Aquele edredom retalhado que ganhei de aniversário. O interessante é que ele ainda parece novo... Bem diferente desses produtos descartáveis de hoje em dia.

Que raiva que me dá. Você paga um absurdo para ter um “lançamento” e pronto, daqui a alguns meses ou no máximo em um ano estraga, ou pior, as lojas têm a cara de pau de colocar em liquidação, ou seja, o mesmo produto que você comprou está 10X mais barato. Não entendo como sou idiota de comprar “lançamentos”. Não deveriam chamar de “lançamento”, mas sim de “lançalucro” ou “paraotário”. Bom, vou pegar o edredom antes que eu congele.

Hum! Isso sim é aconchego. Minha cama quentinha, e eu aqui, no casulo feito pela vovó. Chega até a ser engraçado. Lembro-me de quando ela estava costurando, dedicou-se por meses para que tudo ficasse perfeito. Isso sim é “lançamento” exclusivo. Diria que uma linha de amor. Nunca parei para pensar quanto amor existe neste cobertor.

O amor pode estar em qualquer lugar, ser de todos os formatos e ter mil maneiras de ser transmitido, basta receber. Doar. Receber... Estou quente, obrigado!
Estou cansado nesse momento, mas quente! Sinto-me acolhido no meio do abismo gelado. Como se por instantes eu tivesse caído no meio dos sentimentos e feito dos retalhos uma pilha de confusão. Até que alguém pegou cada trapo e uniu. Deu sentido e utilidade para cada pedaço. Envolver-se. Envolver-me. Envolver-te. Envolvida em retalhos de mim...

Olhos fechados, janela fechada. Quarto abafado. O ambiente está seco e sem luz. Só a fresta de luminosidade que invade o chão pelo vão da porta.

Espero dormir, mas com muito cuidado para não me virar demais. Posso cair. (...)



Até amanhã...


Fabiane Rivero Kalil


20/08/2008


Parte 1

Quero desabafar com o silêncio, me abrir para dentro e ficar parado ao vento, talvez assim, eu consiga me desfazer no espaço que me transcende; talvez assim, alivie a dor que sinto no meu estômago, que me mata lentamente, no auge das minhas crises.

Às vezes me sinto completamente cego, sem visão, como se eu não tivesse futuro. Acabo procurando minha própria mão e continuo procurando e procurando, não sei ao certo, mas continuo... Não sei o que é especial, ou o que realmente vale a pena, só sei que a vida está inclusa nesta questão. Sim! Minha vida também! A sua? Não me atreveria a analisar nada nesse momento de loucura, de obscuridade que me faz correr por cantos redondos, dar voltas dentro do mesmo quarto e não encontrar nada. Sabe o que é isso? Não encontrar nada? Apenas um vazio eterno e uma sensação de impotência?

O meu quarto está cheio desse componente que insiste em existir, fazer parte da vida humana e atormentá-la. Além de atormentar, gera transtornos de pensamentos, dúvidas que levam ao mesmo lugar, ao vazio de onde veio.

Vou tentar dormir, quem sabe se eu virar para a direita eu acorde melhor que ontem. Talvez se eu virar para a esquerda eu caia da cama... Não! Não adianta! Nesses dias, acordar e respirar me faz mal. O desanimo pesa os olhos e o ar avisa ao corpo que ele ainda vive. Viver significa ter que enfrentar... Palavras fortes, vida forte!
Acredito que quando o Homem passa por dificuldades, por momentos que ele se depara com ele mesmo ou com situações que fogem do total controle, nós, como qualquer animal, temos nossos mecanismos de defesa. Quando algo assusta, o obvio é gritar ou fugir... Eu já fiz os dois! Mas é impossível fugir do que estou fugindo. Mesmo sem espelho, mesmo sem luz, o que sinto em cada fração sou eu mesmo. Mesmo que desvie meu olhar do meu, cada pensamento passa por dentro de mim e isso faz tudo fazer parte do meu eu. Impossível! Gritar assusta os outros! Sério! Já gritou em público? Mesmo que todos que vivem neste mundo tenham ou já tenham tido esse desejo, a hipocrisia e os falsos tabus fazem com que cada um que presencie essa cena se espante absurdamente ao ponto de ridicularizar. Gritar alivia sim, mas causa outros tipos de problemas, que podem afetar diretamente a vida social.

O meu olhar fixa o teto branco, cada parte do meu corpo está encostado no colchão, que tenho a impressão de já ter o mesmo formato da minha sombra. Encontro-me fraco, sem força de movimento, apenas as pulsações fazem do seu ritmo o resumo da minha vida. E novamente olho para o teto. Tão branco... Reflete o que não consigo refletir no momento. Estou no escuro, só absorvo. Viro para o lado esquerdo da cama. Não! Não posso ficar deste lado, tenho a grande possibilidade de queda. Não posso me arriscar. De bruços meu pescoço dói. O melhor é virar para a direita e me encolher até virar um pequeno aglomerado embaixo do cobertor. Desse jeito estou protegido.

Tenho certeza que quando sair desse ciclo entrarei em outro e depois desse outro estarei nesse de novo. Interminável! Ciclos e reciclos. Vidas de bolas! Que rodam só com atrito!
Como posso me defender desse chão áspero? Deveria ter colocado carpete. Mas carpete me dá alergia, ataca a rinite, mas amortece a queda. Talvez, um chão daquelas madeiras sintéticas. Acho que seria agradável. O clima ficaria menos frio. E a queda menos dura. Ilusões com verdades, verdades com ilusões, não encontro o puro, o bruto, o não lapidado, só modificações da verdade. Tudo me confunde.

Como agir? Será que alguém vai abrir aquela porta? Será que devo sorrir? Correr? Gritar? Fingir? Será que vão me reconhecer? Como podem me conhecer se nem eu mesmo me conheço? Tudo gira lentamente em torno do nada que fingi girar. Estou tonto! Pronto! Não sei onde me apoiar. Acho que esse quarto de repente se tornou grande demais para o eu que não existe neste momento, mas em frações de segundos, o eu surge e se multiplica, me sufocando dentro do mesmo espaço que antes era infinitamente maior. Estou falando de segundos, na medida do tempo que a proporção entre mil sorrisos está para uma lágrima. Sim! Lágrimas são intermináveis. A tristeza anda em câmera lenta.

Todo esse desconforto eu que criei, então deveria ser eu a descria-lo, não? Mas essa imensidão que existe quando estou nulo, me enche de medo!...


(continua amanhã...)


Fabiane Rivero Kalil

19/08/2008





IMPORTANTE


Antes de iniciar o novo projeto deste blog (um livro dividido em capítulos que serão postados diariamente), gostaria que vocês lessem atentamente os versos de Drummond, pois sem eles nada valem as palavras que colocarei em cada capítulo do livro... não decidi o nome, mas ele é puro em vivência... puro em sentidos. Dê o seu sentido para cada linha lida... mas antes deixe Drummond mover alguns conceitos pré colocados sobre as poesias...


Até o primeiro capítulo do livro...



Procura da Poesia, do livro A Rosa do Povo, de Carlos Drummond de Andrade


Não faças versos sobre acontecimentos.

Não há criação nem morte perante a poesia.

Diante dela, a vida é um sol estático,

não aquece nem ilumina.

As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam.

Não faças poesia com o corpo,

esse excelente, completo e confortável corpo, tão infenso à efusão lírica.


Tua gota de bile, tua careta de gozo ou de dor no escurosão indiferentes.

Nem me reveles teus sentimentos,

que se prevalecem do equívoco e tentam a longa viagem.

O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia.


Não cantes tua cidade, deixa-a em paz.

O canto não é o movimento das máquinas nem o segredo das casas.

Não é música ouvida de passagem, rumor do mar nas ruas junto à linha de espuma.

O canto não é a natureza

nem os homens em sociedade.

Para ele, chuva e noite, f

adiga e esperança nada significam.

A poesia (não tires poesia das coisas)

elide sujeito e objeto.



Não dramatizes, não invoques,

não indagues.

Não percas tempo em mentir.

Não te aborreças.

Teu iate de marfim, teu sapato de diamante,

vossas mazurcas e abusões,

vossos esqueletos de família

desaparecem na curva do tempo,

é algo imprestável.



Não recomponhas

tua sepultada e merencória infância.

Não osciles entre o espelho e amemória em dissipação.

Que se dissipou, não era poesia.

Que se partiu, cristal não era.



Penetra surdamente no reino das palavras.

Lá estão os poemas que esperam ser escritos.

Estão paralisados, mas não há desespero,

há calma e frescura na superfície intata.


Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.

Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.

Tem paciência se obscuros. Calma, se te provocam.

Espera que cada um se realize e consume

com seu poder de palavra

e seu poder de silêncio.


Não forces o poema a desprender-se do limbo.

Não colhas no chão o poema que se perdeu.

Não adules o poema.

Aceita-o

como ele aceitará sua forma definitiva e concentradano espaço.
Chega mais perto e contempla as palavras.


Cada uma

tem mil faces secretas sob a face neutra

e te pergunta, sem interesse pela resposta,

pobre ou terrível, que lhe deres:

Trouxeste a chave?


Repara:ermas de melodia e conceito

elas se refugiaram na noite, as palavras.

Ainda úmidas e impregnadas de sono,

rolam num rio difícil e se transformam em desprezo.

14/08/2008




ROSA


Entrei no elevador e apertei o décimo andar. Quando cheguei, o cheiro que no corredor estava, invadiu o elevador e meus sentidos...


Quanto mais me aproximava do local marcado, mais o cheiro intensificava-se. Meu coração acelerou diante do mistério, do cheiro, e da surpresa que na porta me esperava. Ganhei um coração revestido de rosas...


Vermelho a luz de velas. Pétalas perfumadas encantavam e dançavam na beleza delas mesmas. A leveza se manifestou no silêncio do não dizer. A entrega estava feita. O vinho posto na bandeja... Ali havia três taças, o terceiro coração que ali estava para selar o que os outros dois corações desejavam...


Doce noite, doce música, doce calor, doce olhar, doce movimento, doce sentimento...
Revesti-me de prazer e de intensidade.

Fui inteira sendo duas...
Fui duas sendo uma...
Sendo uma em particularidade, estendi minhas mãos e ali aceitei um coração sincero...
Coração vivo, pulsante, ardendo em sonhos e vontades... Quando o segurei, percebi que eu realmente me encaixava ali e era ali que eu queria ficar, quentinha... Só sentindo o tempo chegar ao cantinho que festeja e que é meu agora!


Minha casa, nossa casa... Que assim seja, sempre em movimento, sempre em sentimento... PERFEITO!


Fabiane Rivero Kalil

11/08/2008




Passos


Caminhos trilhados
Passos largos
Passos fechados
Passos pulados
Passos encontrados... vc!


Senti a terra firme...
Terra fértil!
Senti a primavera de sonhos frutificados...
Momentos falados
Calados...
Feitos... transformados...


Conversas diretas
Paralelas
Vivas... construtivas.
Às vezes o mar vira e a fala fica
Do avesso ao sentido
Dali sai um grito...
Mas logo o ar entra e desvira em ato refalada em amor...
... e o entendimento submerge...
Numa linda expressão... num sorriso... num olhar... no desejo de continuar
No mesmo caminho...


Fabiane Rivero Kalil

02/04/2008




Infinito


Especialmente em dias frios, em colchões vazios e quartos em silêncio, o encontro com os pensamentos se tornam sólidos.

Encontrei entre bailarinas e óperas; lágrimas e sorrisos; ricos e mendigos, os sentimentos encobertos na diferença, nos intervalos do oito ou oitenta...

Estou crescendo e aprendendo não só nos erros... estou sonhando e vivendo no equilíbrio, na balança do possível...

Acreditar no impossível aos olhos e sentir o coração andar...

Movimentos sem formas, cheio de riscos que ainda não se ligaram, não foram terminados nem preenchidos com cores.

A me colorir estão... estou colorindo também! As vezes o preto sobrecarrega as linhas que se perdem no borrão.... Mas quando o lápis muda de posição e põe leveza na escuridão, os traços se contrastam e a vida dança entre sorrisos e improvisos.

Mudei-me daqui, estou ali. Quando não tenho mais espaço, reformo o espaço, crio tempo com ar. Crio planos, bolas, círculos, ovos, asas, braços, pernas, pés... mãos! As vezes deparo-me com minhas oito cabeças, meus oito pés, dezesseis mãos... e faço! Pego o caminho nas costa, enfileiro os pés e ando sobre as mãos. As vezes a cabeça fica e o corpo respira. Às vezes a cabeça vai e eu fico sem ar...
Só entendo de uma coisa... do meu coração que adora o mar. Nele encontra balanço e oito mundos... o infinito em todos os lados... oito para baixo, oito para cima, oito para os lados... e sempre em todos os sentidos encontro...


Fabiane Rivero Kalil

28/03/2008




Preconceito


Hoje descobri um preconceito. Achei que meu paladar, olhos e ouvidos eram livres de rótulos. Mas, depois de muito viver ao redor dessa espécie, hoje me deparei com a terrível verdade do preconceito na minha vida. Sim! Eu com preconceito de uma polenta. Pobre polenta! Nunca aceitei a polenta por ser polenta. Polenta não é batata frita nem mandioca. É polenta. Mas não consigo aceitar a polenta como polenta, porque meu cérebro simplesmente entende a polenta como algo parecido com outro algo que não é, definitivamente, não tem nada de polenta.


Hoje no almoço meu amigo pediu uma porção. Adivinha do que... de polenta (obvio)! Olhei para ela, logo me veio o pensamento - “hurg! Polenta”- sendo que eu não acho o gosto da polenta extremamente repugnante, simplesmente não me conformo dela não ser nem batata frita nem mandioquinha. Complicado! Mas mesmo assim, arrisquei comer uma. E não é que eu tinha razão? Realmente o gosto é parecido, mas não, definitivamente, não é batata nem mandioca.


Comentei lentamente minha loucura para o meu amigo, dono da porção, e ele insistiu para que eu provasse a polenta com margarina. Tudo bem provar, afinal, não tenho nada contra ao gosto da polenta. Provei! E pronto. Gostei. Mas dessa vez o que me veio à mente não foi nem batata frita e nem mandioca, mas sim pipoca. Sabe aquelas de microondas?


Fabiane Rivero Kalil

19/03/2008



Patricia Mara


Crescer significa olhar lá dentro, arrancar o que sobra, acrescentar o que falta e isso dói tanto!!


Tirar o que sobra muitas vezes consiste em tirar coisas de gosto, que a maturidade te faz enchergar que não cabem no prato. E o que falta, com um pouco de coragem, paciência e movimento as coisas vêm....


Eu não quero ser as palavras doces enquanto elas forem agressivas dentro de mim; Não quero ser triste se a alegria me contagia; Não serei ódio se meus pensamentos só sabem amor; Não serei nada por conveniência dos fatos, mas serei tudo que eu quiser ser, menos o que, por algum motivo, eu não conseguir!!


Eu sou assim, sensível, instável, nem um pouco volúvel mas aprendi que na vida:para se proteger é preciso usar máskaras....para se envolver é preciso muita sinceridade....E para crescer é necessário que se sinta o coração!!


A longo de meus 26 anos descobri coisas sobre a arte de amar alguém. Descobri que isso não é coisa do acaso, nem de um jogo de sorte. O amor é um sentimento nosso, que a dedo escolhemos alguém para dar.


Quando amamos sentimos nada mais que nosso próprio sentimento refletido em quem nos propomos a dar amor. Descobri que amor não é o sentimento que as pessoas podem dar para nós mas sim, o reflexo do que podemos dar a elas....


"Todo ser é amável, mas nem todos eles conseguem amar..."


"Quem quer fazer alguma coisa, encontra um meio. Quem não quer fazer nada, encontra uma desculpa."


E depois disso, quem sou eu afinal??


Alguém de muita consciência, que se dá em existência e busca sabedoria em ser HUMANO. As vezes pode parecer que eu não enxergo e é ai que estou olhando, tem horas que eu não ouço e, nesse caso, eu não ouço mesmo (tenho algum problema), sou aquela que fica distante para descobrir maiores segredos, que se aproxima para dar a mão e um abraço e que se envolve em laços intensos e teimosos.


É, eu sou teimosa... e pelo que está me parecendo, prefiro assim! Minha teimosia já clareou palavras escuras, já descobriu caminhos significantes, já atrapalhou e ajudou e nesse caso digo:Minha teimosia fez de mim uma pessoa melhor!! Me fez mais corajosa e quando isso é ruim, minhas feridas já sabem gritar e ai, está na hora de parar.Acredito em energias e projeção, tudo aqui é fruto do que idealizamos.Projetamos energia para virar matéria. Sou crente do bem e do mal, mas não duvidem que minha fé sempre irá me fortalecer.


Tenho inimigos sim, daqueles declarados amigos, que não suportam meu estado de espírito. Digo que a felicidade é um estado de espírito e não uma combinação de coisas perfeitas.... Tenho amigos daqueles que procuram-me qdo querem um sorriso bom, um abraço perto e um olhar de segurança.Sim, pode parecer bobagem, mas transmito segurança e acho isso importante, essencial para viver harmonia em dias atuais.


Uma mulher querendo ser criança, acho que isso explica bem.... sou daquelas saudosas de tempos ingênuos, tempos que prometíamos futuros eternos sem nem imaginar que faltaria tempo para nos preocuparmos com isso mais tarde.Sou uma romântica pouco lúdica, gosto do cavalheirismo sem mela cueca, das palavras doces em frases amargas.


Resumindo: gosto de comida agridoce.... rss


Essa sou eu, um misto de tudo que posso com nada que sou!!


Patricia Mara


São as coisas que acontecem com a gente??

Ou é a gente que permite que elas aconteçam??

Geminiana, sou questionadora por necessidade e opção...


FRASES:


A REALIDADE É UM RECORTE ESCOLHIDO DA VIDA NATURAL, UMA EDIÇÃO DE VERDADES PELA METADE OU MENTIRAS IDEALIZADAS...SE CAIR DE UM ABISMO É INEVITÁVEL,PORQUE IR TÃO DEVAGAR?? Nesse caso, divirta-se!! rsrss...

25/02/2008




Ilusões do Amanhã


Príncipe Poeta (Alexandre Lemos - APAE)


Por que eu vivo procurando um motivo de viver,

Se a vida às vezes parece de mim esquecer?

Procuro em todas, mas todas não são você.

Eu quero apenas viver, se não for para mim, que seja pra você.

Mas às vezes você parece me ignorar,

Sem nem ao menos me olhar,

Me machucando pra valer.

Atrás dos meus sonhos eu vou correr.

Eu vou me achar, pra mais tarde em você me perder.

Se a vida dá presente pra cada um, o meu, cadê?

Será que esse mundo tem jeito?

Esse mundo cheio de preconceito.

Quando estou só, preso na minha solidão,

Juntando pedaços de mim que caíam ao chão,

Juro que às vezes nem ao menos sei, quem sou.

Talvez eu seja um tolo, que acredita num sonho.

Na procura de te esquecer, eu fiz brotar a flor.

Para carregar junto ao peito,

E crer que esse mundo ainda tem jeito.

E como príncipe sonhador...

Sou um tolo que acredita, ainda, no amor.




MENSAGEM TRANSCRITA DA ORIGINAL:
PRÍNCIPE POETA (Alexandre Lemos - APAE)
Este poema foi escrito por um aluno da APAE, chamado, pela sociedade, de excepcional..
Excepcional é a sua sensibilidade!
Ele tem 28 anos, com idade mental de 15.


20/02/2008



O que será que me dá?
O que será que me dá quando n vejo o desejo dos seus olhos?
Sinto-me um pedaço de chão, cheia de sabão.


Revelo meus segredos - aqueles que raramente lembro e calo minhas verdades. Verdades mudas que se escondem no silêncio...


Só consegue ouvir a alma àqueles que mantêm a calma!
Não por assim dizer, que meu mundo de bolhas reflete em meu chão que só começou... inicialmente a ser lavado.

Começo, que mesmo sem perguntas urgentes, eu insisto em responder. Sem os gestos minimizados de pressa olhando para os lados, para o tempo, para dentro. Que as bolhas flutuem e reflitam as cores, aromas, músicas que procuro ser...

Passos largos seriam um desastre. Tombo certo nessa imensidão alagada. Cautela e passos pequenos fazem da descoberta algo plausível. Limpar o chão onde se passa e deixar um rastro de pureza e clareza. Passar longe das certezas que procuramos encontrar no meio de tanta gente, alguma água, vários sonhos. Não despedir-se do mal que se tem, deixa-o ir embora com o movimento, pelo ralo, olhe e guarde-o na lembrança para que, assim...exista a limpeza.

Descobrir, limpar, firmar... pés firmes em solo seco e conhecido, respirar paz e segurança em momentos estáticos... mas sempre o movimento se faz necessário, assim novos tombos, novas descobertas, novos passos se farão presentes. Um pouco mais do desconhecido... A eterna dúvida e descoberta que fazem a vida valer a pena!

O cruzar dos olhos que espanta o medo. O medo do novo, de novo. Mas não haverá medo capaz de apagar a luz e a força que se fazem presentes a cada olhar. E melhor seria se a cada olhar eu descobrisse os desejos e neles desvendasse devaneios. Colorir meu mundo de bolha, antes de finalmente me libertar. Cores pintam a liberdade em cativeiro, para que meus olhos não tenham medo quando forem livres de fato. Para que meus pensamentos não se torturem entre eles, convivendo de forma doentia e delicada. Longe do antigo e perto do presente. Inesperado, incompreensível. Porém sem farsa de existir. Completo e complexo em bolha, em cor, em leveza.

Flutuar “arromantiza”! O perfume completa os sentidos e nada levará embora a quietude do chão e das vidas que me cruzam.

Carolina Balladas e Fabiane Rivero Kalil



28/01/2008




Integridade


O inteiro sempre é inteiro. Quando falta algo o inteiro não existe mais...


Nunca parcial... Sempre inteiro...Não me tirem pedaços, pois não vou gostar. A vida é sempre em busca de se estar inteiro. Por mais meio que você seja. Por mais pedaço que você seja.


Quando a mão tenta ser pé ou acha que é mais importante que ele, o corpo perde a lógica e fica de ponta cabeça. Nenhum dos órgãos se adaptam a essa postura por muito tempo. Se a mão não voltar logo a ser mão, o corpo dará um jeito de voltar ao normal por ela...


Tudo que tira a integridade se anula, pois a vida deve ser acrescentada... sempre acrescentada... nunca diminuída... nunca em farelos...


Migalhas são boas para pombos, não para seres humanos.


Fabiane Rivero Kalil

22/01/2008




Interruptor...


O momento exato de transição: da escuridão para a luz!


Quando te cortam ou te espremem para caber numa fenda... você se sente entalado, esmagado, sufocado...


Não sei ao certo se mover-se é a solução. Qualquer movimento pode piorar a dor. Se ficar parado talvez tudo melhore. Mas a fenda não vai sair dali, ou você a enfrenta ou recua...


Bom... estou na fenda! Agora me resta respirar!


Olho para direita e vejo escuridão

Olho para esquerda e vejo meu passado...


Um bom começo ver algo conhecido. Ou diria, o recuo as vezes é bem sábio. Mas não gosto de "replays", meus impulsos estavam ansiosos para arriscar o próximo passo. Mas ainda não posso me mover. Estou presa! Paralisa...(pausa para pegar um pouco mais de ar)...da.


Só pelo cheiro a claustrofobia e a hiperatividade passariam longe desse lugar. Por incrível que pareça minha energia é canalizada no mistério dessa fenda, me mantém ativa, mesmo que para muitos, a visão seja de um ser parado.


Um movimento a cada farelo de eternidade. Ai! Como doí! Como doí não me mover. Estão me apertando forte ao ponto de sufocar... Mais um pouco eu aguento! Continuo aqui...


A cada milímetro movido, uma vitória se aproxima, novas portas espero encontrar... espere! Pare! Sério, pare! Acho que bati em algo... será? Será que cheguei ao fim?


Calma! Algo se moveu! Onde será que estou? Será que pulo? ou volto?... Ai! Ai! Ai! Acho que encontrei algo...


Lentamente empurrei o botão para baixo, com as pontas dos dedos, com o braço direito totalmente esticado... e.... TIC! A fenda foi iluminada no mesmo instante que identifiquei o objeto que está a minha frente... um espelho e nele reflete algo que nunca vi...se move como eu gostaria de me mover, fala como eu gostaria de falar, é o que eu gostaria de ser...
Acho, que vou descansar agora... boa noite! Alguém aperte o bot...


Fabiane Rivero Kalil