28/08/2008




Parte 6



Talvez dentro dela haja um passado limpo, ou que foi limpo com o tempo. Talvez não haja perigo de abri-la. Espero que não me afete ou invada minha mente com lembranças esquecidas.
Eu não desejei cheirar mal. Mas mesmo assim o cheiro apareceu. Repugnante!


O nosso cheiro deveria ser algo que delatasse as intenções de cada um. Cheiros bons para intenções boas, variando de acordo com a intensidade de cada ação. E cheiros ruins alertariam a todos...
Poderia ser assim também para as lembranças, as caixas, os objetos... A vida poderia cheirar emoções...


Talvez não... Se fosse assim, o Homem perderia seu mistério e seus segredos. Os sentimentos seriam revelados pelos cheiros e por conseqüência, a racionalização seria inevitável. As questões humanas seriam resumidas em tabelas periódicas e colocadas em palavras concretas, não mais subjetivas. Ainda bem que as verdadeiras definições da vida estão bem guardadas...


Bem guardas estão as coisas dentro desta caixa rosa. Enrolei com tanta fita adesiva que não consigo mover a tampa. Caixa pesada. As caixas grandes repletas e as pequenas vazias...


Depois de muito esforço a caixa foi aberta e dela saiu um cheiro de naftalina misturado com sabonete. A caixa estava repleta de livros, cadernos, folhas, sensações eternizadas no papel, tentativas de explosões no silêncio e registros do passado que já foi e voltou em linhas.


Dei um pulo para trás repentinamente, meu coração acelerou e aqueceu o corpo. Guardei uma parte do meu coração aqui e não me lembrava. Que sensação é essa que há anos não sinto? Que lembranças são essas que me aprisionam? Não quero sentir, não quero chegar mais perto. Corro o risco de ler... Não sei o que o fazer com essas linhas, com esses sentimentos, com essas pessoas encaixadas, encaixotadas... Preciso de ar!


Olho para fora, mas as palavras me faltam. Olho para o lado e me sobram pensamentos. Lembro vagamente do que escrevi. Fragmentos de um todo que gera angustia e completa meu corpo de medo.


Fixei meus olhos na lua e segurei firme na grade da janela. Não posso cair. Minhas mãos geladas e molhadas marcam a grade com nervosismo. Preciso dizer, preciso... Não consigo dizer nada. Nem para lua. Nem para o improvável... Nem para os surdos, nem para o desespero que me mantém nesta paralisia. Estou presa. É isso!


Vou deitar. Quem sabe eu crie coragem e consiga arrumar a caixa amanhã. Ela não está com a aparência muito boa. A água a deformou. E ela me deformou de medo. E o medo, essas horas, deve estar rindo da minha condição de verme.


Preciso achar uma posição boa para que eu não me vire muito rápido. A queda não seria uma ótima idéia hoje. Nenhuma palavra iria me segurar. Nem o edredon da minha avó iria me salvar hoje. Meu coração dói.


Os olhos fechados transbordam escuridão sobre o corpo encolhido no colchão. Solidão sai pelos poros assustados e os pontos de luz nada iluminam, se tornam ausentes no meio de tanta asfixia. A ordem embaralhou a lógica e a visão ficou difusa... A cama ficou mais estreita e a queda mais provável...


Até amanhã!!!


Fabiane Rivero Kalil

26/08/2008



Parte Cinco


O que é isso? Que luz é essa? Que calor é esse?...
O vento bateu dentro do quarto e um odor horrível invadiu o ambiente...

Quantos dias eu não tomo banho mesmo? Quantos dias eu não saiu desse quarto?
A realidade invadiu a vida pelo nariz. Cheiros sempre trazem lembranças. Sensações. E com elas, reações.

Preciso trocar a cortina do box do chuveiro. Toda vez que tomo banho o banheiro fica completamente molhado. A borracha desse rodo não ajuda na hora de puxar a água para onde ela deveria ir. Afinal o box é delimitado e um ralo é colocado lá para a água escoar por ele. Mas não é bem isso que acontece aqui nesse banheiro.
Acho que meu ralo tem aversão a água. Sabe quando você nasce homem e se sente mulher? Ou não se encaixa em lugar algum? Ou quando a definição de ser humano não se encaixa no seu contexto de ser? Esse ralo não se sente ralo, nunca se sentiu. Acho que ele deve ser outra coisa não definida, pois, definitivamente, ele não cumpre o propósito de ser um ralo.
Se eu fosse pensar como esse ralo, que no caso é um buraco no meu chão enfeitado com um pouco de metal vagabundo... Talvez eu não quisesse escoar água com tufos nojentos de cabelos, que com certeza grudariam por toda minha extensão. Talvez fosse um pouco mais ambicioso, talvez quisesse conduzir petróleo...
Não sou um ralo e nem quero ser. Também não vou começar a falar com objetos inanimados. Nem sou engenheiro, nem arquiteto para entender a lógica da água subir e não descer. E isso que não moro em São Tomé das Letras...
Olhar para o chão não vai me levar a lugar algum. Preciso é tirar esse cheiro que me... Como? Ai meu deus! Não é possível! Como pude deixar faltar? Como vou tomar banho sem xampu? Amo xampus. Não vivo sem xampus. No meu banheiro nunca faltou xampu.
Posso fechar os olhos e ver as prateleiras cheias de xampus... Como é bonito ver. Como é bonito falar – XAMPU. Mas não vou sair daqui... Não conseguiria. Então, o sabonete vai ser um ótimo substituto. Serve! Meu cabelo vai ficar um pouco duro, mas não pretendo ver ninguém. A não ser a minha mãe, que também não me preocupa, afinal, faz anos que não sei o que é um cafuné dela. Meu cabelo está seguro assim. O sabonete basta para lavar. Garanto que antes da publicidade investir milhões para cativar a vaidade humana, um simples sabonete bastaria. Lógico! Tomamos banho para nos limpar, certo?
Uma vez, me lembro que acompanhei minha mãe ao cabeleireiro. Sentei na sala de espera... Como o nome diz, sentei para esperar...
Pessoas frenéticas são encontradas em toda a parte. Não dopadas. Mas simplesmente por serem.
Um ótimo lugar para cultuar o corpo humano é no salão de beleza. Lugar do “prazer” obrigatório. Diria até que é um “prazer” culturalmente e socialmente imposto.
Esses lugares me fazem pensar na imagem de alguém que observa uma morena maravilhosa na praia e repara no seu corpo... Com aquele biquíni minúsculo e pêlos saindo pelas laterais da virilha... E logo após, me vem à imagem da pessoa que presenciou isso. Seria um assunto a ser estudado em qualquer cabine de depilação.
Todas as senhoras, que sentavam na sala de espera, falavam de suas rugas, ou melhor, como não tê-las... Sempre caiam na solução botox de vida. Sim, é um estilo de vida! Onde elas confiam piamente na salvação feita por profissional da estética autorizado a furar. Os pecados são pagos por uma seringa cheia de uma substância duvidosa, que é aplicada em regiões específicas do rosto e como um passe de mágica, as pessoas saem todas com mesma cara. Purificadas! Refeitas! Salvas das rugas... E com um incrível dom de sorrir.
A expressão triste jamais voltará àqueles rostos. Alguns que abusam da “felicidade” podem vir a babar, pois o sorriso fica tão largo que a boca não consegue fechar por completo... Nada contra nenhuma substância que faça as pessoas serem felizes. Nada mesmo... Só que essa dose de beleza não seria o suficiente para secar minha dor de cabeça. Se esticassem meu rosto, talvez ele se rompesse na tentativa de derramar uma lágrima... Molhada... Água... Chuveiro... Banheiro...
Por um tempo não definido, o corpo ficou e a alma se ausentou do quarto. Tempo suficiente para que a água invadisse o banheiro por completo e entrasse no quarto. O quarto estava seco graças a uma caixa grande que sugou toda a água que passava pela porta. Caixa grande e cheia de passado alagado. Era de papelão rosa, agora, é de papelão marrom com aroma de sabonete...
Até amanhã...
Fabiane Rivero Kalil

25/08/2008


Parte 4

Vá que eu saia, me mova, me engane, tropece? Vá que alguém roube meu coração, chute a porta e me obrigue a sair...? Não! Não estou preparado para a invasão e nem quero conhecer outros mundos...

Não sei ao certo se quero me mover também. Não sei ao certo se sei lidar com tudo que envolve, que anda, grita, sonha... Só sei que não quero que me toquem, me façam sentir qualquer sensação, seja de frio ou calor, de amor ou ódio. Simplesmente quero ficar aqui. Parado. Parado não... Na verdade quero observar a bagunça que me cerca e entender onde colocar o que.

Ontem tirei tudo das gavetas. Tudo! Fui tirando aleatoriamente. Misturei sem querer camisetas com meias, cintos com livros, canetas com lenços, papéis riscados e em branco. Tirei também várias caixas que há anos não toco. Estão lacradas, lembro-me vagamente o que tem em cada uma.
Agora o que fazer com tudo isso? Não encontro mais nada! Nem onde sentar, nem onde está o começo do chão. Acho que nem a porta eu consigo abrir. Talvez se eu abrir toda a janela essas sombras pretas, em formato de bolas achatadas, saiam da minha parede e a luz entre por completo. Talvez a luz me ofusque, já que faz tanto tempo que me alimento dessa luz gerada pelas lâmpadas. Bem que dizem que essas podem até bronzear...

Que barulho é esse na porta? Será possível que alguém vai entrar? Seria impossível, a porta está totalmente bloqueada.

- Quem está ai? É impossível entrar...

- Impossível para quem? Se esta porta só está fechada do seu lado e não do meu?

(Desisti de falar... Por alguns instantes me veio um silêncio. Acho que falei em pensamento com a porta que não mais respondia.)

Acho que foi embora. Não entendo o porquê da pergunta. É obvio que preciso de ajuda, mas a questão não é se eu preciso de ajuda ou não, mas sim se alguém realmente pode me ajudar.
Essas caixas lacradas estão cheias de passado, cheia de lembranças que tenho até medo de revirar. Prefiro não pensar sabe? Fica mais fácil.

Certa vez, lembro-me, que estava num bar, sozinho, e conheci um índio. Sim! Um índio de verdade, criado com regras indígenas... Conversei horas com o cara, até ele me dizer que tinha perdido a virgindade com a própria irmã. Quem fala isso? Foi um choque cultural que quase cai na armadilha, dos meus preconceitos, de criticá-lo. Quase o julguei com os meus pré-conceitos, aqueles estabelecidos dentro de uma sociedade, que são replicados dentro de casa, na escola, na igreja... Os famosos “certos” e “errados” que manipulam a nação com rédeas curtas.

Por que eu entrei nessa questão mesmo? Ah! As caixas... Sim! Nesse mesmo dia, nessa mesma conversa, quando o assunto começou a ficar chato e o álcool entorpeceu meus sentidos, fixei o olhar num homem magro que se movia freneticamente. Cada movimento dele era frenético. Eu suei só de olhar como cada olho dele tremia. Nessa hora o índio falou baixinho: - cocaína.

Não quis aprofundar o assunto. Nem entrar no mérito de dar qualquer tipo de lição de moral, ou conscientizar os jovens loucos que andam, em plena quinta-feira, pelas ruas de São Paulo. Afinal, eu mesmo estava dopado de algum tipo de substância que me fazia sentir outras coisas que sozinho não conseguiria... Onde estava mesmo? (risos- minutos em silêncio) Sim! Aprendi a fazer caixas olhando o cara magrelo frenético. Ele dobrava freneticamente um monte de flyers e depois os encaixava perfeitamente até se formar uma linda caixinha de papel. Ao todo foram cinco caixas feitas freneticamente pelo homem “freneticola”. Aprendi. Não me pergunte como, mas aprendi.

Não decidi o que colocar dentro de nenhuma das caixinhas que eu fiz. Todas espalhadas e vazias pelo quarto.

O vazio tomou conta do quarto. Como se o quarto fosse uma grande caixa vazia. Nada ali fazia sentido, nada ali tinha mais lugar definido. De alguma forma, tudo estava paralisado. O ar claustrofóbico foi aniquilado por um impulso repentino de abrir a janela...


Até amanhã...


Fabiane Rivero Kalil


22/08/2008



Parte 3


A cama fica mais estreita. Meus olhos semifechados, e meu corpo, rígido, tenta manter-se em cima do colchão. Não posso me mexer nesse momento. O cansaço toma conta dos meus músculos. O cansaço da mesmice, do sempre, do nunca, do ontem, do hoje e dos dias – daqueles que passam e daqueles que insistem em não passar.


Estou pela metade. Quase inteiro, mas menos. Mais de menos do que demais. A falta de riso me prende o peito como um soluço que não sai. Prende a lágrima com um caroço na garganta, os movimentos, com um gelo de medo, e os pensamentos ancorados num cais.


Meio acordada, meio dormindo, sonolenta criatura. Ainda respira. Ainda se move dentro dos milímetros que a delimitam dentro do colchão. Como se o jogo fosse brincar de estátua para que o bicho papão, que mora embaixo da cama, não puxasse o dedão no meio da noite. Detalhe importante, os pés nunca para fora do cobertor. A cabeça e as orelhas bem escondidas, como se fugissem dos sons. Para que ninguém a matasse, nem por trás, nem pela frente, nem pelos pés, nem pelas mãos e...


Aaaah! Quase! Quase cai! Meu Deus! Movi-me demais. Que susto! Meu coração deu uma volta olímpica saltitante por todo o quarto e invadiu meu mundo por todos os meus poros...


Meu pijama está molhado mais do que o normal, acho que molhei o colchão também.
Meia noite! Noite cinza! Cinza anula as cores. Abri a janela para que o ar preenchesse o vazio do meu corpo. Mas o que recebi da lua foi um tom amarelado.

Tirei meu pijama. O nu contornou minha silhueta, e a sombra fez seu desenho para fora da janela. Parece que a sombra dança ao som baixo dos grilos do gramado. Que o sereno encobre o meu corpo de orvalho e faz o silêncio ecoar a razão. Os prédios limitam a visão do horizonte.

Prédios cinza! A cor da mesmice. Nada melhor para completar a minha noite de susto. A vida assume o cinza como cor mestre.

O vento trouxe tristeza, meus pêlos se arrepiaram de frio, mas continuo inerte. Meus olhos não param de escorrer ações, tentativas, falas frustradas...

TRIM! TRIM! TRIM!

Preciso me vestir! Quem será a essa hora?

- Alô? Alô?
- (barulho de respiração)

TU! TU! TU!

Odeio telefone! Odeio telefone! Quem será esse filho do demônio que teve essa ótima idéia de me amolar justamente agora? Odeio respiração e odeio odiar. Sentimento péssimo! Talvez não esteja odiando, isso com certeza é ira, raiva, contraída pela linha do telefone. Quem disse que só cachorro transmite raiva? E não quero jogar a culpa no telefone, objeto inanimado, mas o meu ódio pode ser resultado da certeza de que existe vida do outro lado. Do outro lado da linha. Sem essa de vida do outro lado, sei lá onde.

Essas conversas entre humanos me amolam, nem sempre fluem bem, nem sempre são poéticas as palavras e nem sempre acabam como esperamos. Como exemplo, essa conversa estranha que acabei de ter com uma respiração.

Vou colocar um pouco de música para me acalmar. Essa vitrola já teve mais graça, dela as músicas costumavam sair com mais intensidade. Hoje em dia ela se repete no mesmo repertório de anos. Bom, faz tempo que não compro novos discos. A minha coleção parou no mesmo instante em que eu parei de ter idéias. Preciso de idéias. Preciso de novos discos também.
Mas para isso teria que sair do meu quarto...



Até segunda...


Fabiane Rivero Kalil

21/08/2008



Parte 2


Um quarto é o território delimitado pelo animal Homem. Ali todas as posses, todas as manias, todos os segredos são armazenados. Dentro do quarto está toda a intimidade, toda a solidão de um ser. Mesmo quando se divide um quarto com outra pessoa, o quarto se torna subdividido, com fronteiras bem delimitadas... Essas fronteiras saíram do quarto, o Homem as expandiu por todos os lados. Nas ruas, nas praças, nos postes, nos estados, nas cores, no mundo, no universo, nas estrelas... O Homem só não urina no que é seu porque isso não seria civilizado. Como também não é civilizado ultrapassar uma linha imaginária criada com parâmetros justos...

Lembro-me de que, quando eu era uma criança, convivia com crianças e adultos, mas olhava com o olhar de criança. Cresci e continuo convivendo com crianças e adultos, mas não sei onde está aquele olhar que antes olhava com um brilho que não encontro mais. Não sei onde está o brilho nos olhares dos outros, não sei onde está o brilho do meu olhar, não sei onde deixei esse filtro que me fazia acreditar num mundo realmente melhor. Não sei onde deixei minha esperança, mas tenho certeza de que a perdi no mesmo instante em que mudei. Mas juro que não percebi como essa pessoa que me tornei hoje apareceu! Eu conheço todas as minhas fases, mas não sei se os olhares de antes me reconhecem.

Não quero achar culpados.

Adoro olhar para a parede em frente quando deito na minha cama, pois lá está ele, a minha inspiração em dias frios, o quadro de Edvard Munch – O Grito. Lógico que não é o original. É apenas um impresso que comprei numa loja que vende posters. Especialmente hoje, ao olhar para ele, algo me incomodou, não sei exatamente o que, mas sei que não são as pessoas. Talvez seja eu mesmo, não com minhas escolhas, mas sim com a maneira como eu mesmo não consigo cumpri-las como gostaria. Não é a decepção alheia que me deixa desanimado e sim minha própria decepção.

Gostaria de tirar tudo isso de dentro, todo o meu eu de dentro e explodi-lo para fora, num ato de coragem. Mover-me dessa cama num grito alucinante de encontro, parar de pensar e agir... mudar!

Como mudar? Ra! Estou aqui parado ainda.

Essa cama esfriou de repente. Em algum lugar nesse armário está o edredom que minha avó me deu. Aquele edredom retalhado que ganhei de aniversário. O interessante é que ele ainda parece novo... Bem diferente desses produtos descartáveis de hoje em dia.

Que raiva que me dá. Você paga um absurdo para ter um “lançamento” e pronto, daqui a alguns meses ou no máximo em um ano estraga, ou pior, as lojas têm a cara de pau de colocar em liquidação, ou seja, o mesmo produto que você comprou está 10X mais barato. Não entendo como sou idiota de comprar “lançamentos”. Não deveriam chamar de “lançamento”, mas sim de “lançalucro” ou “paraotário”. Bom, vou pegar o edredom antes que eu congele.

Hum! Isso sim é aconchego. Minha cama quentinha, e eu aqui, no casulo feito pela vovó. Chega até a ser engraçado. Lembro-me de quando ela estava costurando, dedicou-se por meses para que tudo ficasse perfeito. Isso sim é “lançamento” exclusivo. Diria que uma linha de amor. Nunca parei para pensar quanto amor existe neste cobertor.

O amor pode estar em qualquer lugar, ser de todos os formatos e ter mil maneiras de ser transmitido, basta receber. Doar. Receber... Estou quente, obrigado!
Estou cansado nesse momento, mas quente! Sinto-me acolhido no meio do abismo gelado. Como se por instantes eu tivesse caído no meio dos sentimentos e feito dos retalhos uma pilha de confusão. Até que alguém pegou cada trapo e uniu. Deu sentido e utilidade para cada pedaço. Envolver-se. Envolver-me. Envolver-te. Envolvida em retalhos de mim...

Olhos fechados, janela fechada. Quarto abafado. O ambiente está seco e sem luz. Só a fresta de luminosidade que invade o chão pelo vão da porta.

Espero dormir, mas com muito cuidado para não me virar demais. Posso cair. (...)



Até amanhã...


Fabiane Rivero Kalil


20/08/2008


Parte 1

Quero desabafar com o silêncio, me abrir para dentro e ficar parado ao vento, talvez assim, eu consiga me desfazer no espaço que me transcende; talvez assim, alivie a dor que sinto no meu estômago, que me mata lentamente, no auge das minhas crises.

Às vezes me sinto completamente cego, sem visão, como se eu não tivesse futuro. Acabo procurando minha própria mão e continuo procurando e procurando, não sei ao certo, mas continuo... Não sei o que é especial, ou o que realmente vale a pena, só sei que a vida está inclusa nesta questão. Sim! Minha vida também! A sua? Não me atreveria a analisar nada nesse momento de loucura, de obscuridade que me faz correr por cantos redondos, dar voltas dentro do mesmo quarto e não encontrar nada. Sabe o que é isso? Não encontrar nada? Apenas um vazio eterno e uma sensação de impotência?

O meu quarto está cheio desse componente que insiste em existir, fazer parte da vida humana e atormentá-la. Além de atormentar, gera transtornos de pensamentos, dúvidas que levam ao mesmo lugar, ao vazio de onde veio.

Vou tentar dormir, quem sabe se eu virar para a direita eu acorde melhor que ontem. Talvez se eu virar para a esquerda eu caia da cama... Não! Não adianta! Nesses dias, acordar e respirar me faz mal. O desanimo pesa os olhos e o ar avisa ao corpo que ele ainda vive. Viver significa ter que enfrentar... Palavras fortes, vida forte!
Acredito que quando o Homem passa por dificuldades, por momentos que ele se depara com ele mesmo ou com situações que fogem do total controle, nós, como qualquer animal, temos nossos mecanismos de defesa. Quando algo assusta, o obvio é gritar ou fugir... Eu já fiz os dois! Mas é impossível fugir do que estou fugindo. Mesmo sem espelho, mesmo sem luz, o que sinto em cada fração sou eu mesmo. Mesmo que desvie meu olhar do meu, cada pensamento passa por dentro de mim e isso faz tudo fazer parte do meu eu. Impossível! Gritar assusta os outros! Sério! Já gritou em público? Mesmo que todos que vivem neste mundo tenham ou já tenham tido esse desejo, a hipocrisia e os falsos tabus fazem com que cada um que presencie essa cena se espante absurdamente ao ponto de ridicularizar. Gritar alivia sim, mas causa outros tipos de problemas, que podem afetar diretamente a vida social.

O meu olhar fixa o teto branco, cada parte do meu corpo está encostado no colchão, que tenho a impressão de já ter o mesmo formato da minha sombra. Encontro-me fraco, sem força de movimento, apenas as pulsações fazem do seu ritmo o resumo da minha vida. E novamente olho para o teto. Tão branco... Reflete o que não consigo refletir no momento. Estou no escuro, só absorvo. Viro para o lado esquerdo da cama. Não! Não posso ficar deste lado, tenho a grande possibilidade de queda. Não posso me arriscar. De bruços meu pescoço dói. O melhor é virar para a direita e me encolher até virar um pequeno aglomerado embaixo do cobertor. Desse jeito estou protegido.

Tenho certeza que quando sair desse ciclo entrarei em outro e depois desse outro estarei nesse de novo. Interminável! Ciclos e reciclos. Vidas de bolas! Que rodam só com atrito!
Como posso me defender desse chão áspero? Deveria ter colocado carpete. Mas carpete me dá alergia, ataca a rinite, mas amortece a queda. Talvez, um chão daquelas madeiras sintéticas. Acho que seria agradável. O clima ficaria menos frio. E a queda menos dura. Ilusões com verdades, verdades com ilusões, não encontro o puro, o bruto, o não lapidado, só modificações da verdade. Tudo me confunde.

Como agir? Será que alguém vai abrir aquela porta? Será que devo sorrir? Correr? Gritar? Fingir? Será que vão me reconhecer? Como podem me conhecer se nem eu mesmo me conheço? Tudo gira lentamente em torno do nada que fingi girar. Estou tonto! Pronto! Não sei onde me apoiar. Acho que esse quarto de repente se tornou grande demais para o eu que não existe neste momento, mas em frações de segundos, o eu surge e se multiplica, me sufocando dentro do mesmo espaço que antes era infinitamente maior. Estou falando de segundos, na medida do tempo que a proporção entre mil sorrisos está para uma lágrima. Sim! Lágrimas são intermináveis. A tristeza anda em câmera lenta.

Todo esse desconforto eu que criei, então deveria ser eu a descria-lo, não? Mas essa imensidão que existe quando estou nulo, me enche de medo!...


(continua amanhã...)


Fabiane Rivero Kalil

19/08/2008





IMPORTANTE


Antes de iniciar o novo projeto deste blog (um livro dividido em capítulos que serão postados diariamente), gostaria que vocês lessem atentamente os versos de Drummond, pois sem eles nada valem as palavras que colocarei em cada capítulo do livro... não decidi o nome, mas ele é puro em vivência... puro em sentidos. Dê o seu sentido para cada linha lida... mas antes deixe Drummond mover alguns conceitos pré colocados sobre as poesias...


Até o primeiro capítulo do livro...



Procura da Poesia, do livro A Rosa do Povo, de Carlos Drummond de Andrade


Não faças versos sobre acontecimentos.

Não há criação nem morte perante a poesia.

Diante dela, a vida é um sol estático,

não aquece nem ilumina.

As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam.

Não faças poesia com o corpo,

esse excelente, completo e confortável corpo, tão infenso à efusão lírica.


Tua gota de bile, tua careta de gozo ou de dor no escurosão indiferentes.

Nem me reveles teus sentimentos,

que se prevalecem do equívoco e tentam a longa viagem.

O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia.


Não cantes tua cidade, deixa-a em paz.

O canto não é o movimento das máquinas nem o segredo das casas.

Não é música ouvida de passagem, rumor do mar nas ruas junto à linha de espuma.

O canto não é a natureza

nem os homens em sociedade.

Para ele, chuva e noite, f

adiga e esperança nada significam.

A poesia (não tires poesia das coisas)

elide sujeito e objeto.



Não dramatizes, não invoques,

não indagues.

Não percas tempo em mentir.

Não te aborreças.

Teu iate de marfim, teu sapato de diamante,

vossas mazurcas e abusões,

vossos esqueletos de família

desaparecem na curva do tempo,

é algo imprestável.



Não recomponhas

tua sepultada e merencória infância.

Não osciles entre o espelho e amemória em dissipação.

Que se dissipou, não era poesia.

Que se partiu, cristal não era.



Penetra surdamente no reino das palavras.

Lá estão os poemas que esperam ser escritos.

Estão paralisados, mas não há desespero,

há calma e frescura na superfície intata.


Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.

Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.

Tem paciência se obscuros. Calma, se te provocam.

Espera que cada um se realize e consume

com seu poder de palavra

e seu poder de silêncio.


Não forces o poema a desprender-se do limbo.

Não colhas no chão o poema que se perdeu.

Não adules o poema.

Aceita-o

como ele aceitará sua forma definitiva e concentradano espaço.
Chega mais perto e contempla as palavras.


Cada uma

tem mil faces secretas sob a face neutra

e te pergunta, sem interesse pela resposta,

pobre ou terrível, que lhe deres:

Trouxeste a chave?


Repara:ermas de melodia e conceito

elas se refugiaram na noite, as palavras.

Ainda úmidas e impregnadas de sono,

rolam num rio difícil e se transformam em desprezo.

14/08/2008




ROSA


Entrei no elevador e apertei o décimo andar. Quando cheguei, o cheiro que no corredor estava, invadiu o elevador e meus sentidos...


Quanto mais me aproximava do local marcado, mais o cheiro intensificava-se. Meu coração acelerou diante do mistério, do cheiro, e da surpresa que na porta me esperava. Ganhei um coração revestido de rosas...


Vermelho a luz de velas. Pétalas perfumadas encantavam e dançavam na beleza delas mesmas. A leveza se manifestou no silêncio do não dizer. A entrega estava feita. O vinho posto na bandeja... Ali havia três taças, o terceiro coração que ali estava para selar o que os outros dois corações desejavam...


Doce noite, doce música, doce calor, doce olhar, doce movimento, doce sentimento...
Revesti-me de prazer e de intensidade.

Fui inteira sendo duas...
Fui duas sendo uma...
Sendo uma em particularidade, estendi minhas mãos e ali aceitei um coração sincero...
Coração vivo, pulsante, ardendo em sonhos e vontades... Quando o segurei, percebi que eu realmente me encaixava ali e era ali que eu queria ficar, quentinha... Só sentindo o tempo chegar ao cantinho que festeja e que é meu agora!


Minha casa, nossa casa... Que assim seja, sempre em movimento, sempre em sentimento... PERFEITO!


Fabiane Rivero Kalil

11/08/2008




Passos


Caminhos trilhados
Passos largos
Passos fechados
Passos pulados
Passos encontrados... vc!


Senti a terra firme...
Terra fértil!
Senti a primavera de sonhos frutificados...
Momentos falados
Calados...
Feitos... transformados...


Conversas diretas
Paralelas
Vivas... construtivas.
Às vezes o mar vira e a fala fica
Do avesso ao sentido
Dali sai um grito...
Mas logo o ar entra e desvira em ato refalada em amor...
... e o entendimento submerge...
Numa linda expressão... num sorriso... num olhar... no desejo de continuar
No mesmo caminho...


Fabiane Rivero Kalil