23/09/2008

Parte 9

Ontem à noite a lua estava coberta por nuvens que desenhavam mistério. Hoje ela se mostra timidamente por uma fresta de luz...
Às vezes vejo-me incrédulo. Meus olhos só vêem nuvens e não mais lua, mas logo alguma luz aparece para aquecer a solidão da noite. Nestes dias o quarto se inunda de penumbra, meus pensamentos ficam foscos e eu sem ar...

Às vezes queria ser a lua, me cobrir de nuvens e me esconder dos infinitos olhares que buscam, nem sempre algo definido, simplesmente buscam o que falta... E também tem aqueles momentos que quero explodir. Sim! Principalmente quando chego a algum lugar do espaço, onde me encontro, onde pude observar e juntar fragmentos de pensamentos. Não aquela explosão ruim, mas aquela que contamina o ambiente, invade a mente e finalmente, algo muda de lugar.

Atrás de mim tudo se move em caixas.

O cheiro ainda está pelo quarto, as lembranças também. É como se elas voassem livremente, sem dor, sem pesos. Isso que eu chamo de um passado bem resolvido. Simplesmente se transformam em sorrisos e saudades.

Tenho um pouco de receio de continuar mexendo nesta caixa. Ela olha para mim com cara de desespero. Não sei se é desespero de estar ali, aberta, exposta ou se ela quer se livrar de todo esse passado que já foi e que simplesmente ninguém lembra. Se ninguém lembra porque eu deveria lembrar? Talvez eu não queira lembrar.

Mas, hum... Que cheiro delicioso pelo quarto... (senta no chão, encosta na parede e fecha os olhos) E se tiver mais lembranças agradáveis como esta? Não quero que elas se percam, nem sejam esquecidas pelo tempo ou...

A luz do luar entra pela janela juntamente com um vento forte e gelado. O vento bate de frente com uma pilha de papeis dentro da caixa rosa. Os papeis, de diferentes tipos e tamanhos, se espalham pelo quarto enlouquecidamente, descontrolados. Mas antes de qualquer lembrança voar pela janela, o vento se acalmou e transformou-se numa serena brisa de primavera.

O céu começou a clarear e os pássaros a cantar. Realmente a brisa não só lembrava a primavera como de fato a estação acabara de chegar. Algo mudou.
O mundo girou. O sol se moveu. O jardim hoje tem flores...

Que luz é essa? Que cheiro é esse? Não é mais o cheiro da carta... Nossa! O que aconteceu com meu quarto? As lembranças se revoltaram por estarem dentro da caixa e resolveram sair sozinhas? O sol está mais quente que ontem... Minhas costas doem. O chão não é mais como antigamente, antes podia dormir aqui e nada acontecia. (risos) Se minha mãe estivesse aqui ela diria que a idade chega para todo mundo.

(passos subindo a escada)

- Filho!
- Mãe?
- Você não quer mais seu xampu?

(abre a porta do quarto)

- Que bagunça é essa? Filho... (olhar de indignação)
- Mãe, não é bagunça! É organização temporal.
- Temporal? Com certeza parece que passou uma tempestade aqui.
- Esquece mãe. Preciso me concentrar. Por favor... (aponta para a porta)
- Faz dias que você não sai deste quarto...
- Mãe!
- O que você fica fazendo aqui?
- Mãe!
- É pornografia?
- Mãe!
- Drogas?
- Mãe!
- Você é gay filho? Pode falar para mamãe...
- Mãe, chega!
- Mas...
- Sem mais nada... Preciso ficar aqui e arrumar as coisas... Obrigado pelo xampu, é esse mesmo que eu gosto.
- O que você faz com os xampus?
- Mãe. Por favor! (aponta para porta)

(Porta fecha. Passos descendo a escada)

O que ela quis dizer quando me perguntou o que eu faço com os xampus? Será que ela acha que coloco no nariz? Ou me masturbo olhando para a mulher que está na embalagem? (risos)
Até a próxima!!
Fabiane Rivero Kalil

11/09/2008

Parte 8

Ufa! Isso que eu chamo de uma provisão divina. E agora? Meu quarto está cheio de caixas. Caixas que só vão sair do meio do caminho se eu tirar. Elas, infelizmente, não têm vontade própria.

Espero que eu não morra com nenhum passado encaixotado. Desenterrar lembranças nem sempre são agradáveis...

Interessante! Uma carta rosa dentro de uma caixa rosa. Acho que é um sinal de início (risos)...



“As palavras tentam escapar
Não falar de ordem
Não vou colocar-me em ordem

Entre teu carinho e a minha canção
É só amor!
Enfeitei meu mundo
Fiz carnaval no meu coração
Para que o meu silêncio não te incomode...
SILENCIANDO” (L.)


Nada mal para um bom começo. Fala de ordem, de amor e de silêncio. Tudo que eu preciso nesse momento. Silêncio eu já tenho. Ordem? Talvez leve um tempo. Amor? Achei um pouco dentro dessa caixa.

Lembro-me dessa carta. Lembro-me de palavras sinceras e profundas, mesmo que tenham saído mudas... Para um bom entendedor um olhar basta.

As pessoas perderam o habito de olhar. Elas olham, mas nada vêem. Elas olham, mas não interpretam, não conseguem passar das máscaras construídas e forjadas por espelhos que nada refletem. O brilho foi ofuscado dos olhares, das palavras. O tempo rouba o que mais amamos em alguém, sabe aquele brilho que nos apaixona e encanta?

O tempo nos torna cegos e coloca a rotina no lugar do encanto.

Sabe aquele caminho que você faz todos os dias? Aquela rotina que cega? Tudo fica fosco, sem vida. Capaz de o carro chegar sozinho até o trabalho e do trabalho para casa, assim como os cavalos fazem quando acostumam com um trajeto. Já tentou fazê-los virar? Olhar para o lado?

Quando tomamos distância, voltamos a enxergar o que estávamos impossibilitados de ver. E isso nada mais é que a retomada do primeiro reflexo. A sensação do primeiro impacto, sentimento, visão, cheiro, o que fazem das lembranças algo especial. Tanto de lugares, quanto de pessoas. Tudo têm um reflexo em particular, que os tornam peculiares e interessantes...

Que cheiro é esse? Minhas mãos estão perfumadas. Deve ser... Sim! Carta perfumada. Que interessante, faz tanto tempo que essa carta está aqui, que não faço a mínima idéia como esse cheiro ainda existe. Que cheiro delicioso!

O silêncio no quarto foi interrompido por um longo suspiro.



Até a próxima!

Fabiane Rivero Kalil

03/09/2008



Parte 7

O frio canta alto pela janela e o breu invade o quarto. O sonho penetra no corpo encolhido sobre a cama. O silencio amortece os sentidos, torna o ar pesado e o sono num grande pesadelo. As mãos apertam o colchão e os dentes à boca. O corpo se encolhe nele mesmo, na tentativa de se proteger do nada que o ameaça.

O vazio toma conta e rodeia a cama. Anula tudo por onde passa. A cama não existe mais.
As bases estão sem tempo ou espaço, encima ou embaixo, perderam sua lógica e seus sentidos. Os eixos X,Y,Z se tornaram XYZABC... Nada mais se define. O corpo adormecido se confunde entre o real e o imaginário. O mundo paralelo se divide.

Sombras descolam-se do chão na tentativa de serem reais, de deixarem de serem somente um recorte da realidade, um efeito dado ao que existe ou simplesmente um contorno que imita tudo que se move.

A gravidade se esconde encima da cabeça, entra pelo tímpano e escoa pelo eco que emite dor. O travesseiro se transforma em milhares de pedregulhos que espetam a face. A consciência está fora da mente e a mente fora da pessoa. As partículas estão em guerra. Mente, alma e espírito X realidade, tempo e medo. Interior não exteriorizado, alucinado no não poder.

Farelos que saíram de um pão. Hoje não mais pão, mas sim farelos. Juntos são algo, separados, são apenas farelos. Porém, antes mesmo, desses farelos serem pão, esse pão era formado por diferentes elementos, que por sua vez, não deixaram de existir, mas juntos, misturados, se transformaram num novo elemento...

Cada pedacinho de musica que escutamos, cada pessoa que passa pela nossa frente ou até mesmo cada cheiro que entra no nosso corpo, tudo modifica nossa composição, tudo acrescenta, abre perspectivas, horizontes, portas... Constroem prédios, relações, ódios... Destroem conceitos, plastificam momentos e paralisam as pessoas de medo.

O novo surge a cada instante de vida. A metamorfose acontece! Ela não espera voluntários, ela simplesmente acontece!

Cada caixa espera ser um novo elemento, nesse novo momento. As caixas fechadas são apenas caixas fechadas, como os farelos que para nada servem...


- Aaaahhh!!! MÃÃÃÃÃE!!!


Mãe? Meu deus. Não acredito que eu chamei minha mãe. Estou petrificado de medo, como uma criança depois de um pesadelo. Minhas mãos, minha cabeça e meu maxilar doem. Espero que ela não suba. Seria ridiculamente patético. O que eu vou falar para ela se ela subir? “Mãe, então, é que eu estava aqui arrumando o quarto, quando de repente, eu fiquei com medo de uma caixa rosa, ela queria sugar minha alma. Resolvi deitar para me acalmar e tive um pesadelo, algo parecido com a morte...”. Não! Patético! Ela não entenderia... E certeza teria a brilhante idéia de me levar ao médico.

(passos subindo a escada)


Deus! Deus! Não deixe que seja a minha mãe... O que eu vou falar para ela?

- Filho? Tudo bem? (tenta entrar no quarto) Não consigo entrar. O que tem atrás da porta?
- Estou arrumando o quarto. É uma caixa que está atrás da porta.
- Você quer falar comigo? Eu escutei você me chamar...
- Hum... É que... (meu Deus o que eu falo para ela?) Não queria sair agora do quarto, no meio dessa arrumação. A senhora mesmo sabe o quanto é ruim parar algo na metade... Então eu estava pensando, se, assim...
- Mas quanta embolação... Parece até que está abobado! O que você quer?
-Xampu! Isso... Eu preciso de xampu...


(passos descendo a escada)

Até a próxima parte.



Ab.,



Fabiane Rivero Kalil