25/08/2008


Parte 4

Vá que eu saia, me mova, me engane, tropece? Vá que alguém roube meu coração, chute a porta e me obrigue a sair...? Não! Não estou preparado para a invasão e nem quero conhecer outros mundos...

Não sei ao certo se quero me mover também. Não sei ao certo se sei lidar com tudo que envolve, que anda, grita, sonha... Só sei que não quero que me toquem, me façam sentir qualquer sensação, seja de frio ou calor, de amor ou ódio. Simplesmente quero ficar aqui. Parado. Parado não... Na verdade quero observar a bagunça que me cerca e entender onde colocar o que.

Ontem tirei tudo das gavetas. Tudo! Fui tirando aleatoriamente. Misturei sem querer camisetas com meias, cintos com livros, canetas com lenços, papéis riscados e em branco. Tirei também várias caixas que há anos não toco. Estão lacradas, lembro-me vagamente o que tem em cada uma.
Agora o que fazer com tudo isso? Não encontro mais nada! Nem onde sentar, nem onde está o começo do chão. Acho que nem a porta eu consigo abrir. Talvez se eu abrir toda a janela essas sombras pretas, em formato de bolas achatadas, saiam da minha parede e a luz entre por completo. Talvez a luz me ofusque, já que faz tanto tempo que me alimento dessa luz gerada pelas lâmpadas. Bem que dizem que essas podem até bronzear...

Que barulho é esse na porta? Será possível que alguém vai entrar? Seria impossível, a porta está totalmente bloqueada.

- Quem está ai? É impossível entrar...

- Impossível para quem? Se esta porta só está fechada do seu lado e não do meu?

(Desisti de falar... Por alguns instantes me veio um silêncio. Acho que falei em pensamento com a porta que não mais respondia.)

Acho que foi embora. Não entendo o porquê da pergunta. É obvio que preciso de ajuda, mas a questão não é se eu preciso de ajuda ou não, mas sim se alguém realmente pode me ajudar.
Essas caixas lacradas estão cheias de passado, cheia de lembranças que tenho até medo de revirar. Prefiro não pensar sabe? Fica mais fácil.

Certa vez, lembro-me, que estava num bar, sozinho, e conheci um índio. Sim! Um índio de verdade, criado com regras indígenas... Conversei horas com o cara, até ele me dizer que tinha perdido a virgindade com a própria irmã. Quem fala isso? Foi um choque cultural que quase cai na armadilha, dos meus preconceitos, de criticá-lo. Quase o julguei com os meus pré-conceitos, aqueles estabelecidos dentro de uma sociedade, que são replicados dentro de casa, na escola, na igreja... Os famosos “certos” e “errados” que manipulam a nação com rédeas curtas.

Por que eu entrei nessa questão mesmo? Ah! As caixas... Sim! Nesse mesmo dia, nessa mesma conversa, quando o assunto começou a ficar chato e o álcool entorpeceu meus sentidos, fixei o olhar num homem magro que se movia freneticamente. Cada movimento dele era frenético. Eu suei só de olhar como cada olho dele tremia. Nessa hora o índio falou baixinho: - cocaína.

Não quis aprofundar o assunto. Nem entrar no mérito de dar qualquer tipo de lição de moral, ou conscientizar os jovens loucos que andam, em plena quinta-feira, pelas ruas de São Paulo. Afinal, eu mesmo estava dopado de algum tipo de substância que me fazia sentir outras coisas que sozinho não conseguiria... Onde estava mesmo? (risos- minutos em silêncio) Sim! Aprendi a fazer caixas olhando o cara magrelo frenético. Ele dobrava freneticamente um monte de flyers e depois os encaixava perfeitamente até se formar uma linda caixinha de papel. Ao todo foram cinco caixas feitas freneticamente pelo homem “freneticola”. Aprendi. Não me pergunte como, mas aprendi.

Não decidi o que colocar dentro de nenhuma das caixinhas que eu fiz. Todas espalhadas e vazias pelo quarto.

O vazio tomou conta do quarto. Como se o quarto fosse uma grande caixa vazia. Nada ali fazia sentido, nada ali tinha mais lugar definido. De alguma forma, tudo estava paralisado. O ar claustrofóbico foi aniquilado por um impulso repentino de abrir a janela...


Até amanhã...


Fabiane Rivero Kalil


2 comentários:

Anônimo disse...

Esse livro está cada dia melhor. Pq n escreveu no fds?

Vc poderia postar mais texto a cada parte.

Não comento pq n tenho o q comentar. Só admiro!

ass. M (faço parte da comunidade pensadores anônimos)

Tata disse...

tá muito bom!