22/08/2008



Parte 3


A cama fica mais estreita. Meus olhos semifechados, e meu corpo, rígido, tenta manter-se em cima do colchão. Não posso me mexer nesse momento. O cansaço toma conta dos meus músculos. O cansaço da mesmice, do sempre, do nunca, do ontem, do hoje e dos dias – daqueles que passam e daqueles que insistem em não passar.


Estou pela metade. Quase inteiro, mas menos. Mais de menos do que demais. A falta de riso me prende o peito como um soluço que não sai. Prende a lágrima com um caroço na garganta, os movimentos, com um gelo de medo, e os pensamentos ancorados num cais.


Meio acordada, meio dormindo, sonolenta criatura. Ainda respira. Ainda se move dentro dos milímetros que a delimitam dentro do colchão. Como se o jogo fosse brincar de estátua para que o bicho papão, que mora embaixo da cama, não puxasse o dedão no meio da noite. Detalhe importante, os pés nunca para fora do cobertor. A cabeça e as orelhas bem escondidas, como se fugissem dos sons. Para que ninguém a matasse, nem por trás, nem pela frente, nem pelos pés, nem pelas mãos e...


Aaaah! Quase! Quase cai! Meu Deus! Movi-me demais. Que susto! Meu coração deu uma volta olímpica saltitante por todo o quarto e invadiu meu mundo por todos os meus poros...


Meu pijama está molhado mais do que o normal, acho que molhei o colchão também.
Meia noite! Noite cinza! Cinza anula as cores. Abri a janela para que o ar preenchesse o vazio do meu corpo. Mas o que recebi da lua foi um tom amarelado.

Tirei meu pijama. O nu contornou minha silhueta, e a sombra fez seu desenho para fora da janela. Parece que a sombra dança ao som baixo dos grilos do gramado. Que o sereno encobre o meu corpo de orvalho e faz o silêncio ecoar a razão. Os prédios limitam a visão do horizonte.

Prédios cinza! A cor da mesmice. Nada melhor para completar a minha noite de susto. A vida assume o cinza como cor mestre.

O vento trouxe tristeza, meus pêlos se arrepiaram de frio, mas continuo inerte. Meus olhos não param de escorrer ações, tentativas, falas frustradas...

TRIM! TRIM! TRIM!

Preciso me vestir! Quem será a essa hora?

- Alô? Alô?
- (barulho de respiração)

TU! TU! TU!

Odeio telefone! Odeio telefone! Quem será esse filho do demônio que teve essa ótima idéia de me amolar justamente agora? Odeio respiração e odeio odiar. Sentimento péssimo! Talvez não esteja odiando, isso com certeza é ira, raiva, contraída pela linha do telefone. Quem disse que só cachorro transmite raiva? E não quero jogar a culpa no telefone, objeto inanimado, mas o meu ódio pode ser resultado da certeza de que existe vida do outro lado. Do outro lado da linha. Sem essa de vida do outro lado, sei lá onde.

Essas conversas entre humanos me amolam, nem sempre fluem bem, nem sempre são poéticas as palavras e nem sempre acabam como esperamos. Como exemplo, essa conversa estranha que acabei de ter com uma respiração.

Vou colocar um pouco de música para me acalmar. Essa vitrola já teve mais graça, dela as músicas costumavam sair com mais intensidade. Hoje em dia ela se repete no mesmo repertório de anos. Bom, faz tempo que não compro novos discos. A minha coleção parou no mesmo instante em que eu parei de ter idéias. Preciso de idéias. Preciso de novos discos também.
Mas para isso teria que sair do meu quarto...



Até segunda...


Fabiane Rivero Kalil

2 comentários:

Dani Dahrouge disse...

Só é possível ter novas idéias e comprar novos discos ultrapassando a fronteira. Crescer é isso.
É isso que busco sempre e é o conselho que dou para sair do marasmo do quarto e da chateação de não querer dialogar com o externo.
Deixe os retalhos para trás, sem, é claro, esquecê-los...

Tata disse...

nossa! fiquei sem ar! tá cada vez mais claustofóbico!
beijos